
No coração de um tecido urbano histórico e comprimido, onde o tempo parece sedimentar-se nas paredes de granito, nas coberturas de cerâmica e nos mosaicos que pintam as fachadas com memória, uma casa estreita e profunda ressurge com um novo fôlego. A Casa do Carriçal, uma reabilitação implantada num típico lote geminado do Porto do século XIX, propõe mais do que uma simples atualização espacial: é um exercício de escuta, uma tentativa de conciliar passado e presente sem hierarquias rígidas, revelando a potência transformadora da arquitetura cotidiana.
A proposta parte do respeito absoluto pela morfologia original. Ao invés de apagar as marcas do tempo, o projeto as valoriza — seja na manutenção da volumetria existente, seja na revalorização de elementos construtivos como as paredes estruturais em granito, agora expostas, restauradas e celebradas como parte da narrativa do lugar. O caráter singelo da fachada principal foi cuidadosamente preservado, em respeito à envolvente urbana e ao seu papel na continuidade do tecido arquitetônico. A cobertura tradicional em águas furtadas é mantida, mas ganha nova vida com a introdução de aberturas zenitais generosas, criando jogos de luz e altura que redefinem a atmosfera dos espaços interiores.

O lote, com 4,8 metros de largura e quase 31 metros de profundidade, abriga um programa híbrido que reflete modos de habitar contemporâneos: uma residência compacta e um espaço de co-work voltado ao cuidado do corpo e da mente. A casa, ao fundo, revela uma lógica de integração — sala, cozinha e quarto compartilham um mesmo ambiente, sem fragmentações desnecessárias. À frente, o co-space abre-se para a rua com autonomia e leveza, mediando a relação entre o público e o privado com fluidez.
A escolha material dialoga com essa ética da honestidade: placas de contraplacado em bétula substituem o antigo teto em estuque, vigas de pinho nacional sustentam a cobertura, paredes internas em drywall com isolamento compensam as limitações técnicas do exterior. Nada é excessivo. Nada é decorativo. Tudo responde, com precisão, ao desejo de permanência, conforto e clareza construtiva.

A intervenção não se impõe, mas propõe. Não grita, mas sussurra — como quem conhece profundamente o terreno que pisa. É nesse silêncio arquitetônico que se revela sua força: ao recusar gestos espetaculares, ela recupera o valor do cotidiano, da medida justa, da atenção às escalas humanas. Em um tempo marcado por ansiedades urbanas e saturação visual, esta pequena casa reabilitada mostra que é possível — e necessário — habitar com delicadeza.

Ficha Técnica
- Escritório: deMedeiros arquitetura
- Arquiteto Líder: Yuri de Medeiros
- Arquitetos Responsáveis: Yuri de Medeiros, Thiago Steffen, Lara Rodrigues Hass, Bruno Rinaldi
- Ano de conclusão do projeto: 2020
- Ano de conclusão da construção: 2021
- Área bruta construída: 93,5 m2



















